segunda-feira, 25 de julho de 2011

Criadas para intermediar problemas, agências são questionadas na Justiça

As agências reguladoras foram criadas para intermediar conflitos, mas acabaram virando parte deles. De um lado, elas precisam abrandar os ânimos de consumidores cada vez mais descontentes com a deterioração dos serviços públicos ou essenciais. Do outro, têm de fiscalizar e regular empresas intolerantes a multas e regras que lhes são impostas. De uns anos pra cá, o resultado dessa equação virou uma enxurrada de ações judiciais - contra as agências.

Levantamento feito pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) mostra que o estoque de processos em tramitação na Justiça soma 2.209 ações ante 1.520 de 2008 - um aumento de 45%. De lá pra cá, 268 ações foram julgadas. Em contrapartida, outras 957 deram entrada nos tribunais brasileiros. Ou seja, o ritmo de solução dos questionamentos é quase três vezes menor que a de novos conflitos.

Na lista de assuntos mais contestados estão problemas ligados a multas aplicadas, inscrição de empresas no Cadastro Informativo dos créditos não quitados (Cadin), qualidade dos serviços prestados, reajustes tarifários, regras contratuais e questões ligadas a licenciamento e licitação de projetos.

No setor de energia, por exemplo, as ações contra as hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte sempre envolviam a agência reguladora. Mas há também problemas administrativos dentro das agências que provocam questionamentos por parte da população, como é a de ações envolvendo concursos públicos.

O ranking dos órgãos mais contestados é liderado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). De acordo com a Abdib, o estoque de processos contra a agência já soma 865 ações - 39% do volume total.

Para a ANP, o aumento é reflexo de fiscalizações mais precisas e focadas em problemas específicos. Um deles é a adulteração de combustíveis, que resulta no fechamento dos postos.

Muitas empresas recorrem à Justiça para reverter a punição e voltar a operar sem nenhuma restrição. As fiscalizações, diz a agência, também acabam detectando falhas econômico-financeiras, como débitos não pagos. Nesse caso, as companhias são incluídas em cadastros negativos e perdem uma série de regalias no mercado. Naturalmente, elas não aceitam e procuram os tribunais. Em alguns casos, conseguem resposta positiva aos seus pleitos e arrastam a decisão por anos.

Nos últimos meses, os questionamentos em relação à piora dos serviços públicos também turbinaram as estatísticas contra as agências. Tanto o Ministério Público como os órgãos de defesa do consumidor responsabilizam os órgãos reguladores pelo produto entregue ao consumidor.

Em dezembro de 2010, por exemplo, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) entrou na Justiça contra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e distribuidoras do Estado por causa dos blecautes ocorridos na região. Eles argumentaram que a agência não tinha fiscalizado direito as prestadoras de serviço, que fazem o que querem. "Se o questionamento é de serviço ineficiente, por lógica ele é respaldado pela agência. Portanto, sempre haverá um rescaldo pra ela", diz o advogado Eduardo Ramires, da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia.

Tarifas

Depois da qualidade dos serviços, o próximo passo sempre é questionar os reajustes tarifários. Afinal, se o serviço é ruim, a tarifa não pode ser alta. Um exemplo são duas ações judiciais do Ministério Público Federal de Santa Catarina contra os pedágios autorizados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na Autopista Litoral Sul e Planalto Sul, da espanhola OHL. O MPF pede que a agência anule os reajustes tarifários concedidos e os aditivos que permitem prorrogar as obras.

A nova regulamentação da ANTT (segunda colocada no ranking de ações judiciais) para o setor ferroviário deve elevar as estatísticas da agência.

Os representantes das concessionárias, que administram as ferrovias desde a privatização, avisaram que devem questionar as mudanças na Justiça. Eles argumentam que, ao permitir que novos operadores trafeguem por suas malhas, o governo promove uma quebra de contrato.

"Avalio que, se há uma procura crescente por decisões no judiciário, é sinal que as agências não estão conseguindo exercer seu papel da melhor forma possível", afirma o presidente da Abdib, Paulo Godoy.

Mas ele avalia que, para o ambiente de estabilidade regulatório, o aumento de ações judiciais não é um bom caminho. O ideal, diz, seria a criação de uma câmara arbitral que pudesse absorver essas pendências. Afinal, diz ele, a tão aclamada independência das agências não pode significar fazer o que elas bem entenderem. "Já vimos casos de contestação da legalidade de decisões unilaterais por parte das agências, que altera regras contratuais. Vimos também penalizações sem nenhum fundamento legal."

A câmara de arbitragem sugerida por Godoy já foi defendida pelo ex-diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, hoje presidente da Light. Seria uma das alternativas para conter a escalada de ações judiciais contra as agências. Na prática, significaria criar instâncias superiores de conciliação e arbitragem. A ideia não é bem aceita pelas agências, que veem na medida uma forma de tirar sua autonomia, diz Godoy.

Estratégia é recorrer das multas

Os questionamentos sobre multas aplicadas pelas agências reguladoras têm liderado o ranking de processos judiciais. Quase nenhuma penalidade é paga pelas empresas sem antes passar por todas as instâncias possíveis, administrativas e judiciais. A estratégia, dizem especialistas, é protelar o pagamento o máximo que puderem. Como o sistema judiciário brasileiro é lento, uma decisão negativa só deverá ocorrer anos mais tarde.

"Para as empresas, vale a pena recorrer. Enquanto não sai o julgamento, ela preserva o seu caixa. Isso se a multa não for derrubada", afirma o professor de economia da FGV-SP, Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Na avaliação dele, essa judicialização acaba comprometendo a independência da agência atuar. Mas tem se tornado uma prática cada vez mais comum no mercado. A cada multa anunciada, a resposta das companhias é sempre a mesma: "Estamos avaliando o processo para recorrer."

Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o volume de ações judiciais ligadas a multas tem crescido na mesma proporção que a fiscalização. Um exemplo são as ações de Furnas e da Cteep contra as multas aplicadas por causa do apagão de novembro de 2009. A estatal foi multada em R$ 43 milhões e a Cteep, em R$ 3,1 milhões.

O mesmo deve ocorrer com as duas penalidades dadas pela agência estadual de energia (Arsesp) à Eletropaulo: uma de R$ 27 milhões e outra de R$ 4,8 milhões. Essa última por causa dos desligamentos que afetaram a região metropolitana de São Paulo no início de junho por causa de um vendaval. A empresa poderá argumentar que os problemas foram provocados por "dia crítico". Nesses casos, as empresas não podem ser multadas.

Desproporcional

Na avaliação do advogado Eduardo Ramires, as multas têm sido muito altas e desproporcionais aos serviços. Por isso, as empresas não cogitam pagar. "Há um desvirtuamento da ação. A penalidade regulatória é inibir o erro. Não é arrecadatório", afirma ele, observando que há uma rigidez muito grande nas multas. O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, também acredita que muitas penalidades não tem fundamento legal.

Essa não é a avaliação, no entanto, dos órgãos de defesa do consumidor, que consideram pequeno o valor da multa aplicada às empresas diante da deterioração dos serviços prestados.

Fonte: O Estado de São Paulo, por Renée Pereira

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