terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Contratos de risco

Calhamaço com várias páginas e termos estranhos ao comprador leigo, o contrato de aquisição de um imóvel provoca dúvidas mesmo depois de concluída a transação.

As taxas e os valores pagos nesse tipo de negociação têm sido mais questionados na Justiça, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

No Procon-SP (órgão de defesa do consumidor), as queixas contra incorporadoras e construtoras tiveram aumento de 26% na comparação entre o primeiro semestre de 2011 e o de 2010. Foram 1.981 reclamações nos seis primeiros meses de 2011.

A alta não é proporcional ao volume de vendas do período, já que houve queda de 31,8% nos residenciais comercializados em São Paulo em comparação ao primeiro semestre de 2010.

A diretora de atendimento do Procon-SP, Selma do Amaral, explica que o pagamento de taxas indevidas é o segundo principal motivo de reclamações ao órgão -dentro da categoria transações imobiliárias-, logo atrás do não cumprimento de contratos, como atraso na entrega ou defeitos.

Uma das contendas é a comissão do corretor -paga ao profissional que intermedeia a venda e que varia entre 6% e 8% do valor da compra. Aqueles que adquirem o imóvel em estandes de venda têm recorrido aos tribunais e aos órgãos de defesa do consumidor para pedir ressarcimento da cobrança.

Outros reclamam da cobrança de assessoria técnica contratada sem anuência, ou, ainda, de terem sido forçados a usar o serviço de despachante de determinadas empresas (veja à pág. 4).

O Sati (Serviço de Assessoria Técnico-imobiliária) está entre as taxas mais questionadas. A cobrança, que costuma ser de 0,88% do valor do imóvel, é considerada imprópria pela comissão de direito urbanístico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), explica o advogado Marcelo Manhães.

A venda de um serviço extra ou a cobrança da corretagem não são ilegais. Elas se tornam irregulares quando o comprador desconhece o que está adquirindo.

Para o juiz Paulo Scartezini Guimarães, não adianta os serviços constarem do contrato se não estiver claro para o cliente do que se trata.

"O problema é quando a pessoa paga sem ser avisada que aquele dinheiro não servirá para amortizar a dívida da compra do imóvel", diz.

Pagamento de corretor tem de ser negociado

O analista de sistemas Marcio Marchetti, 36, está na Justiça cobrando a devolução da taxa Sati e da corretagem pagas na compra de seu apartamento, em abril de 2008.

"Eles [imobiliária] me impuseram a taxa de assessoria jurídica para verificação de contrato. Se não pagasse, não conseguiria comprar", reclama.

Para o advogado Marcelo Manhães, a cobrança é ilegal. "O cliente deve ter uma relação de confiança com o advogado que lhe representa e defende seus interesses."

A imposição do serviço sem o correto esclarecimento do consumidor ou como condição para que a compra do apartamento seja realizada pode ser considerada venda casada nos tribunais.

"Deve estar explícito no contrato de todas as empresas que o serviço é facultativo", explica o advogado do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliário) Rodrigo Bicalho.

O advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, afirma que, apesar de ser possível cobrar a corretagem do comprador, o valor deveria estar embutido no preço do imóvel e ser descontado da receita da construtora ou da incorporadora.

Já Bicalho afirma que isso não está previsto em lei. "Deve ser definido em contrato quem pagará a corretagem e, se o comprador paga, ele deve exigir nota fiscal", considera. A ideia é que o documento separe o preço do imóvel da cobrança pelo serviço.

CASAMENTO

Após o atraso de quase dois anos na entrega do apartamento comprado em 2008, o contador Rafael Gaya, 31, decidiu entrar na Justiça para reaver a corretagem paga.

"A gente assina tudo muito pela pressa de realizar o sonho", diz Gaya, que planejou o casamento para a data da entrega do imóvel.

A ação foi julgada e o juiz determinou a devolução do valor pago em dobro. A construtora MVG Engenharia afirma que recorrerá da decisão.

Registrar desacordo ajuda em contestação

Para se defender de acusações, empresas alegam que o comprador concordou com todos os termos do contrato por tê-lo assinado.

No entanto, o advogado Bernardo Brandão explica que o código do consumidor prevê que qualquer cláusula pode ser anulada "caso gere vantagem excessiva para uma das partes".

Mesmo podendo discutir depois, a dor de cabeça de entrar na Justiça pode ser evitada se a euforia de fechar o negócio for deixada de lado durante a análise do contrato, aconselha a especialista em direito imobiliário Mirelle Ottoni.

A discussão prévia com a construtora, apontando dúvidas ou problemas no contrato, é a melhor medida.

Se isso não acontecer, especialistas recomendam assinar o documento deixando claro do que discorda. O registro pode ser feito em e-mails para a empresa questionando as taxas.

Fonte: Folha de São Paulo, com a colaboração de Marcos de Vasconcellos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário