segunda-feira, 14 de junho de 2010

Programa do TJ do Paraná ajuda consumidores a quitar dívidas

O professor de educação física aposentado Carlos Pontes, de 60 anos, passou a tarde de quarta-feira entre representantes de bancos e lojas na Escola de Magistratura do Paraná, em Curitiba. Foi em busca de uma solução para dívidas que não consegue pagar há meses e saiu de lá com ao menos um acordo em mãos. Um débito de R$ 1,22 mil com a Fininvest foi parcelado em 12 vezes de R$ 101,85. Ele voltará ao local no dia 23 para tentar negociar pendências com administradoras de cartão de crédito. "Está virando uma bola de neve", diz o aposentado, que também tem empréstimo consignado.

A telefonista Marta de Oliveira, 38 anos, conseguiu fazer três acordos no mesmo local - parcelou R$ 380 em dez vezes no Hipercard, R$ 200 em quatro vezes na Lojas Marisa e R$ 350 em cinco vezes no Banco do Brasil. Falta uma dívida para resolver, no valor de R$ 2.980, do cartão Ibi, com o qual fez compras na C&A. "Consumo exageradamente. Estou até fazendo tratamento com psicanalista", conta ela, sobre compras por impulso de bolsas, roupas e sapatos. "Isso prejudica tudo, casamento, educação de filhos." Há um ano, ela tinha dívida de R$ 7 mil e o marido teve de usar dinheiro que ia comprar um carro para ajudá-la a pagar. No outro dia, pegou R$ 350 para pagar uma conta, mas gastou R$ 200 e ficou sem dinheiro para a quitação do débito.

Carlos e Marta estão sendo atendidos pelo projeto-piloto "Tratamento de Situações de Superendividamento do Consumidor", lançado no mês passado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) em conjunto com a Escola de Magistratura. O objetivo é mediar a negociação entre as partes envolvidas em relações de consumo. "Hoje não precisa ser compulsivo para se endividar. A pessoa é convencida pela propaganda de que pode comprar", afirma a juíza Sandra Bauermann, coordenadora do projeto, criado com base em um modelo implantado há três anos no Estado do Rio Grande do Sul.

Segundo a magistrada, que treinou os alunos que atuam como mediadores, a intenção não é fazer qualquer acordo, mas aquele que caiba no orçamento da pessoa, para que não se crie outro problema. "O credor, com acordo homologado, tem em seu favor uma sentença que pode ser executada no mesmo juizado se o pagamento não for feito pelo devedor", explica. A iniciativa de resolver a situação tem de partir do devedor pessoa física, que se inscreve no projeto. O credor é convidado a comparecer ao local no dia agendado.

Há algumas regras a serem observadas. O valor máximo de cada dívida não pode ultrapassar 40 salários mínimos. Também não são atendidas questões habitacionais e fiscais e nem problemas com a Caixa Econômica Federal (CEF), por ser empresa pública da União. A juíza planeja bater na porta de instituições financeiras para apresentar o projeto. Já falou com representantes do Itaú e do Santander e nesta semana será a vez do Bradesco.

Ela diz que conviveu com pessoas que enfrentaram endividamento e defende que é preciso haver responsabilidade na concessão de crédito por parte das instituições, até para preservar as futuras relações de consumo. "Cria-se um ciclo em que o comprador não consegue pagar e o credor não consegue receber. É preciso encontrar uma solução." A juíza conta que, nos casos resolvidos até agora, quanto mais tempo tem a dívida, melhor o acordo, porque já era considerada uma perda por parte das instituições. "Mas nem sempre haverá redução de juros", alerta.

A bacharel em direito Carla Kolinski, aluna da Escola de Magistratura, está animada com os resultados. "Achei que não ia dar tanto acordo. Os bancos estão cooperando", comenta. Lidiane Silva, que também atua como mediadora, conta que viu uma dívida ter desconto de 90%, com a retirada de multas e juros. Bancos e varejistas são os que mais aparecem nas listas de agendamento do projeto, mas também há casos que envolvem empresas de telefonia e de tevê por assinatura, entre outras empresas.

A juíza Sandra Bauermann afirma que, de 420 cadastros já feitos, 52% são de mulheres e 48% de homens. Em 20% dos casos o devedor admite que gastou mais do que podia, mas 80% garantem que sofreram "acidentes da vida", como a morte ou doença na família, redução de salário ou desemprego. O levantamento mostra, ainda, que pessoas entre os 25 e 34 anos de idade respondem por 35% dos casos, seguidos pelos de 35 a 44 anos (30%).

Ao fazer a inscrição, no site do Tribunal de Justiça do Paraná, o interessado tem acesso a informações como os dez mandamentos da prevenção ao superendividamento e também um teste para saber se já comprometeu a renda mais do que deveria, ou seja, se já está "enforcado".

Fonte: Valor Econômico, por Marli Lima, de Curitiba

Nenhum comentário:

Postar um comentário